Dissecção arterial é uma doença da parede das artérias que acontece quando há alguma lesão nas camadas que formam os vasos sanguíneos, permitindo que sangue passe a circular pelo “caminho errado”. A dissecção da carótida ou a dissecção da vertebral é uma causa muito importante de AVC em pacientes jovens e também uma causa importante de dor no pescoço e dor de cabeça.
- A aterosclerose é uma outra doença da carótida que pode causar AVC, mas por mecanismo diferente. Saiba mais no nosso artigo sobre estenose carotídea.
Nesse artigo, saiba o que são a dissecção da artéria carótida e a dissecção da artéria vertebral, suas causas e consequências, quais os sintomas, os tratamentos e os cuidados necessários.
Antes de seguir, vamos relembrar a anatomia! As artérias são os vasos que levam sangue para os órgãos. No caso do cérebro, quatro artérias fazem essa função, duas de cada lado do pescoço. São as artérias carótidas direita e esquerda e as artérias vertebrais direita e esquerda. Quando temos algum problema com elas, como no caso da dissecção arterial cervical, podemos ter AVC ou outras complicações.
- O que é a dissecção arterial?
- Como a dissecção da carótida ou a dissecção da vertebral causa AVC?
- Quais sintomas da dissecção arterial cervical?
- Causas da dissecção de carótidas e vertebrais
- Como é o diagnóstico da dissecção cervical?
- Tratamento da dissecção de carótidas e vertebrais
- Como é o prognóstico e a recuperação da dissecção arterial?
O que é a dissecção arterial?
A dissecção arterial cervical é uma laceração na parede das artérias carótidas ou vertebrais. Como as paredes das artérias são formadas por várias camadas, a lesão em alguma dessas camadas permite que o sangue circule separe essas camadas por dentro da parede arterial, criando um falso trajeto, em vez de circular pelo caminho normal, dentro da artéria.
Como a dissecção da carótida ou a dissecção da vertebral causa AVC?
Uma vez que as artérias carótidas e vertebrais são os vasos sanguíneos do pescoço que levam sangue para o cérebro, problemas que atrapalhem a circulação sanguínea como acontece na dissecção podem levar a AVC por vários mecanismos.
A dissecção se inicia pela ruptura ou laceração de uma das camadas da artéria. Conforme o sangue entra na ruptura e passa a circulação por entre as camadas da artéria, a dissecção pode progredir de diferentes maneiras:
- O sangue pode formar um hematoma dentro da parede da artéria, causando estreitamento ou até oclusão do vaso sanguíneo, que dificulta a chegada do fluxo de sangue para o cérebro e causa AVC isquêmico
- Podem se formar coágulos no local da dissecção, que são levados até a circulação cerebral e ocluem vasos menores, também causando AVC isquêmico
- Se laceração se estender até a parede de fora da artéria, ocorre dilatação do vaso, formando um pseudoaneurisma, que pode crescer a ponto de comprimir estruturas ao redor
- Quando o pseudoaneurisma ocorre em vasos dentro do crânio, tem maior risco de romper e causar complicações graves, como AVC hemorrágico e Hemorragia Subaracnoide
Outras consequências da dissecção arterial cervical
Além do risco de AVC, a formação de coágulos na parede das artérias do pescoço podem levar a sua dilatação e compressão de estruturas vizinhas, principalmente nervos.
É comum que vejamos sintomas decorrentes dessas compressões.
Existe, por exemplo, uma rede nervosa que fica sobre a artéria carótida chamada de plexo simpático que, em casos de dissecção da carótida, pode ser prejudicada e deixar de funcionar corretamente, levando a sintomas que veremos adiante. Além do plexo simpático, a dissecção arterial cervical pode causar paralisia de nervos cranianos.
Quais sintomas da dissecção arterial cervical?
A principal consequência da dissecção de carótida ou vertebral é o AVC, mas geralmente ela vem acompanhada de outros sintomas, principalmente dor no pescoço ou dor de cabeça, que pode vir antes do AVC e ser o único sintoma.
Dor no pescoço e dor de cabeça são os principais sintomas da dissecção cervical. AVC é a consequência mais grave.
A dor no pescoço costuma ser do lado afetado: uma dissecção da carótida esquerda leva a dor no lado esquerdo do pescoço. A dor pode ser forte e contínua e pode ficar localizada ou irradiar para a cabeça toda.
Quando há dor de cabeça, pode ser confundida com enxaqueca mas lembre-se que uma dor de início recente e diferente do habitual é um sinal de alarme para procurar atendimento médico!
No caso da dissecção da vertebral, a dor pode ir para parte de trás da cabeça, enquanto na dissecção da carótida, pode ir para o lado da cabeça (temporal), olho, bochecha e até para os dentes.
Alguns pacientes apresentam queda da pálpebra (ptose) e alteração da pupila (miose), que são sintomas da lesão do plexo simpático na dissecção da carótida. Esses sintomas podem ser discretos e passsarem despercebidos pelo paciente mas ajudam o médico a suspeitar da dissecção.
Outra queixa que pode não ser valorizada pelo paciente mas ajuda o médico especialista a suspeitar de dissecção é o surgimento de zumbido pulsátil, uma sensação de que o “coração está batendo no ouvido”.
Outros sintomas da dissecção de carótida ou vertebral são:
- dor de cabeça ou no rosto
- dor no pescoço de um lado só ou na parte de trás do pescoço
- queda de pálpebra
- zumbido pulsátil
- dificuldade engolir
- tontura e vertigem
- sintomas de AVC ou AIT (ataque isquêmico transitório), como fraqueza de um lado do corpo, tontura e desequilíbrio, alteração de fala, alteração da consciência, …
Causas da dissecção de carótidas e vertebrais
A dissecção arterial cervical é uma causa importante de AVC principalmente em pacientes jovens. Ela pode acontecer espontaneamente, sem que consigamos identificar uma causa óbvia, mas é mais associada a grandes traumas, como acidentes de carro, e a impactos na região do pescoço. Traumas triviais, que acontecem no dia a dia, também podem levar a dissecção. Algumas causas conhecidas são:
- terapias de manipulação cervical, como quiropraxia
- prática de esportes como basquete, tênis, vôlei, natação e levantamento de peso
- tosses e espirros
- relações sexuais
- exercício vigoroso
- passeio de montanha russa
Existem algumas condições que são fatores de risco e aumentam a chance de dissecção arterial, como:
- displasia fibromuscular
- síndrome de Ehlers-Danlos
- síndrome de Marfan
- gestação e puerpério
- outras doenças do tecido conjuntivo
Como é o diagnóstico da dissecção cervical?
Quando o neurologista suspeita de dissecção de carótida ou vertebral com base na história clínica e nos sintomas, deve tratar do caso com urgência e procurar diagnosticar rapidamente. Para isso, existem várias opções de exames complementares, que permitem avaliar o fluxo sanguíneo e as características das paredes arteriais, além de podem identificar possíveis trombos.
A ultrassonografia doppler de carótidas e vertebrais pode mostrar a alteração na parede da carótida ou da vertebral, o estreitamento provocado pela lesão e até o trombo naquela localização. É um exame mais prático e disponível para uso, com a vantagem de ser rápido, indolor e não invasivo, mas nem todos os casos podem ser identificados nesse exame, com em lesões mais discretas, muito próximas ou dentro do crânio. Mesmo com um exame normal, quando a suspeita de dissecção é alta, recomenda-se progredir para outros exames.
A angioressonância (angioRM) e a angiotomografia (angioTC) de vasos crânio e do pescoço são exames mais detalhados e precisos para o diagnóstico da dissecção arterial cervical. Podemos ver irregularidades e estreitamentos nas artérias e até o trombo no meio da parede. Esses exames também permitem ver se há pseudoaneurisma, compressão de nervos e outras complicações da dissecção.
Modalidades especiais da ressonância como o estudo de parede de vaso nos permite ver as características da parede da artéria e ajuda a esclarecer dúvidas dos diagnósticos e diferenciar de outras doenças.
Esses exames também permitem a avaliação do cérebro para determinar se aconteceu um AVC.
Em casos específicos ou duvidosos, a angiografia cerebral pode complementar as informações e auxiliar no diagnóstico.
Tratamento da dissecção de carótidas e vertebrais
A dissecção arterial pode ter consequências graves. Sabemos que o risco de AVC é mais alto logo nas primeiras semanas após a ocorrência da dissecção. Por isso, logo após o diagnóstico, devemos iniciar o tratamento.
O reconhecido rápido e o tratamento precoce da dissecção arterial podem prevenir complicações mais sérias.
A primeira linha de tratamento geralmente é o uso de antiagregantes ou anticoagulantes. Os antiagregantes são medicamentos que alteram a função das plaquetas, como o AAS, conhecido como aspirina, e o clopidogrel, enquanto os anticoagulantes impedem a formação de coágulos por outras vias mais complexas. Essas medicações diminuem o risco da formação de trombos que poderiam se deslocar e causar AVC.
Em alguns casos, quando há sinais de estreitamento grave que leva a falta de sangue no cérebro ou quando os sintomas de AVC se repetem apesar do tratamento medicamentoso, a correção da dissecção pode ser feita por meio de angioplastia com stent de carótida ou da vertebral. Nesse procedimento, o objetivo é reestabelecer o calibre da artéria e impedir o deslocamento de trombos para a circulação intracraniana.
Pseudoaneurismas cervicais geralmente são tratados com medicamentos e acompanhados regularmente com exames não invasivos. Quando provocam sintomas ou apresentam crescimento, podem ser tratados com angioplastia.
No entanto, é importante ressaltar que a angioplastia raramente é indicada para o tratamento da dissecção.
No caso de pacientes que descobrem a dissecção ao ter AVC, o tratamento do AVC é a prioridade. Nesse caso, pode ser realizada a trombólise, trombectomia mecânica e angioplastia, conforme necessário.
Como é o prognóstico e a recuperação da dissecção arterial?
A dissecção arterial é uma doença perigosa e potencial grave. Embora a mortalidade seja baixa, o risco de sequelas neurológicas pode ser alto. Por isso, o reconhecimento e o tratamento precoce são essenciais.
Uma significativa proporção dos pacientes tem dissecção assintomática (ou com sintomas discretos que não foram valorizados) enquanto outros tem sintomas leves a graves. Em ambos os casos, existe risco de AVC (ou recorrência do AVC) principalmente nos primeiros dias a semanas, que pode ser minimizado com os medicamentos antiagregantes ou anticoagulantes.
O prognóstico da dissecção arterial em si geralmente é favorável. Com o tratamento adequado, o risco de complicações passa a ser baixo. Estudos que acompanham pacientes com exames ao longo do tempo mostram que, em muitos casos, a artéria se recupera bem. Mesmo artérias que ficaram completamente ocluídas podem voltar a recanalizar em poucos meses.
A maioria dos pacientes que tiveram AVC por dissecção arterial se recupera bem, mas isso depende do local e da extensão da isquemia. Nesses casos, o apoio de uma equipe multidisciplinar dá mais segurança e eficiência à reabilitação.
Alguns paciente podem voltar a ter dissecção na mesma artéria ou em outras artérias do corpo. Esse risco e os cuidados para evitar nossas dissecções precisam ser avaliados individualmente, junto ao neurologista especialista em AVC.
Fontes:
Spontaneous Dissection of the Carotid and Vertebral Arteries – New England Journal of Medicine
Cerebral and cervical artery dissection: Clinical features and diagnosis – UpToDate
Craniocervical Artery Dissections: A Concise Review for Clinicians
Postado originalmente em 12/09/22. Atualizado em 07/04/2023.
Diagnósticos e Tratamentos devem ser individualizados.
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